Hipercolesterolemia Familiar
Autor: João Victor da Silva Soares
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INTRODUÇÃO
A Hipercolesterolemia Familiar (HF) é um distúrbio autossômico dominante do metabolismo do colesterol e de lipídios causado por mutações no gene LDLR. A doença ocorre entre todas as raças e apresenta uma prevalência de um em 500 na maioria das populações caucasianas. Ela responde por menos de 5% dos pacientes com hipercolesterolemia.
PATOGENIA
O receptor de LDL, uma glicoproteína transmembrana predominantemente expressa no fígado e no córtex adrenal, realiza um papel-chave na homeostase do colesterol. Ele se liga à apolipoproteína B-100, a única proteína do LDL, e à apolipoproteína E, uma proteína encontrada em lipoproteínas de densidade muito baixa, lipoproteínas de densidade intermediária, restos de quilomícrons, e algumas lipoproteínas de alta densidade. Os receptores hepáticos de LDL removem da circulação, por meio da endocitose, quase 50% das lipoproteínas de densidade intermediária, e 66% a 80% do LDL; vias independentes do receptor de LDL, das quais pouco se sabe, depuram o restante do LDL.
A genética molecular da HF é extremamente complexa, tendo sido identificadas mais de 900 mutações que ocorrem ao longo de LDLR; 2% a 10% são grandes inserções, deleções, ou rearranjos mediados pela recombinação entre as repetições Alu dentro do LDLR. Algumas mutações parecem ser dominantes negativas. A maioria das mutações são privadas, embora algumas populações – como os libaneses, franco-canadenses, índios sul-africanos, judeus Ashkenazi sul-africanos – possuem mutações em comum e uma alta prevalência da doença, graças ao efeito do fundador. As mutações podem ser agrupadas em cinco grupos, de acordo com a função anormal da proteína mutante.
Mutações homozigotas ou heterozigotas do LDLR diminuem a eficiência da endocitose de lipoproteínas de densidade intermediária e de LDL e causam o seu acúmulo plasmático pelo aumento da sua produção a partir de lipoproteínas de densidade intermediária e pela diminuição da depuração hepática. Os níveis plasmáticos elevados de LDL causam aterosclerose pelo aumento da depuração de LDL por meio das vias independentes do receptor de LDL, como a endocitose de LDL oxidado por macrófagos e histiócitos. Monócitos, que se infiltram na íntima arterial e endocitam esse composto, formam células espumosas e liberam citocinas que promovem a proliferação de células musculares lisas da média arterial. Inicialmente, as células musculares lisas produzem colágenos e proteínas da matriz suficientes para formar uma capa fibrosa sobre as células espumosas; no entanto, como as células espumosas continuam a endocitar LDL oxidado, elas acabam rompendo a capa fibrosa para dentro do lúmen arterial e desencadeiam a formação de um trombo. Esta formação é uma causa comum de derrame e infarto do miocárdio.
O ambiente, o sexo e a base genética modificam o efeito das mutações do receptor de LDL nos níveis plasmáticos de LDL e, portanto, a ocorrência de aterosclerose. O maior modificador ambiental dos níveis de LDL no plasma é a dieta; a maioria dos tunisianos heterozigotos para a doença possui níveis de LDL na faixa “normal para norte-americanos” e raramente desenvolvem doenças cardiovasculares e xantomas. De maneira similar, chineses heterozigotos vivendo na China raramente apresentam xantomas e doenças cardiovasculares, enquanto aqueles que vivem em sociedades ocidentais apresentam manifestações clínicas semelhantes àquelas de caucasianos heterozigotos. O colesterol da dieta suprime a síntese de receptores de LDL, o que seria uma proteção das células contra o acúmulo excessivo de colesterol, e, portanto, aumenta os níveis plasmáticos de LDL; esse efeito do colesterol oriundo da dieta é potencializado por ácidos graxos saturados oriundos de laticínios e melhorado por ácidos graxos insaturados.
FENÓTIPO E HISTÓRIA NATURAL
A hipercolesterolemia, o primeiro achado na doença, geralmente se manifesta ao nascimento e é o único achado clínico na primeira década em pacientes heterozigotos; em todas as idades, a concentração plasmática de colesterol está acima do 95º percentil em mais de 95% dos pacientes. Arcos na córnea e xantomas no tendão começam a aparecer ao final da segunda década, e ao morrer, 80% dos heterozigotos para hipercolesterolemia familiar apresentam xantomas. Aproximadamente 40% dos pacientes adultos apresentam poliartrite recorrente não-progressiva e tenossinovite. O desenvolvimento de doença arterial coronariana dentre os heterozigotos para HF depende da idade e do sexo. Em geral, quando não tratado, o nível do colesterol é superior a 300 mg/dL.
Homozigotos para HF apresentam, na primeira década de vida, xantomas no tendão e arcos na córnea, além de aterosclerose prematura em vasos sanguíneos coronarianos, cerebrais e periféricos. Sem um tratamento agressivo, a HF homozigótica geralmente é letal já aos 30 anos de idade. Não tratada, a concentração de colesterol fica entre 600 e 1000 mg/dL. Estudos em larga escala mostraram que a HF está presente em 3% a 6% dos sobreviventes de infarto do miocárdio.
TRATAMENTO
O colesterol LDL plasmático elevado e uma história familiar de hipercolesterolemia, xantomas, ou doença arterial coronariana prematura, sugerem fortemente um diagnóstico de HF. No entanto, a confirmação do diagnóstico é difícil, pois requer a quantificação da função do receptor de LDL nos fibroblastos da pele do paciente ou a identificação da mutação em LDLR. Na maioria das populações, a grande quantidade de mutações em LDLR impede a análise direta do DNA, a não ser que se suspeite fortemente de uma mutação em particular. A ausência da confirmação pelo DNA não interfere com o tratamento de pacientes com HF, pois um diagnóstico molecular definitivo de HF não traz consigo um prognóstico ou informações terapêuticas além daquelas decorrentes da história familiar e da determinação do colesterol LDL plasmático.
Independente de possuírem HF, todos os pacientes com o colesterol LDL elevado necessitam de normalização agressiva dessas concentrações, a fim de reduzir o risco de doença arterial coronariana; a normalização rigorosa das concentrações de LDL pode impedir e reverter a aterosclerose. Dentre os heterozigotos para HF, a aderência rigorosa a uma dieta pobre em gorduras e rica em carboidratos geralmente produz uma redução de 10% a 20% no LDL. Como esta redução normalmente é insuficiente, os pacientes frequentemente também são tratados com uma ou em uma combinação de três classes de drogas: sequestradores de ácido biliar, inibidores de 3-hidróxi-3-metilglutaril coenzima A, e ácido nicotínico.
RISCO DE HERANÇA
Como a HF é um distúrbio autossômico dominante, cada filho de progenitor afetado possui uma chance de 50% de herdar o alelo mutante de LDLR. Heterozigotos para HF não tratados possuem um risco de desenvolver doença arterial coronariana aos 70 anos de idade de 100% para homens, e de 75% para mulheres. A terapia médica atual reduz marcantemente este risco por meio da normalização das concentrações plasmáticas de colesterol.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. NUSSBAUM, Robert L; MCILNNES, Roderick R.; WILLARD, Huntington F,; Genética Médica Thompson & Thompson. Editora Elsevier – Rio de Janeiro, 2008.
2. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; FAUSTO, Nelson; ASTER, Jon C. Robbins & Cotran Patologia – Bases Patológicas das Doenças. Editora Elsevier – Rio de Janeiro, 2010.