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Anemia Falciforme
22/03/2015
Publicado por: João Victor da Silva Soares

 Anemia Falciforme

 

Autor: João Victor da Silva Soares

 

INTRODUÇÃO

         A anemia falciforme é um distúrbio autossômico recessivo da hemoglobina no qual os genes da subunidade β têm uma mutação de sentido trocado que substitui o ácido glutâmico por valina no sexto aminoácido. A doença se deve mais comumente à homozigose para a mutação falcêmica, embora a heterozigose composta para o alelo falcêmico e a hemoglobina C ou o alelo da β-talassemia possam também causar anemia falciforme. A prevalência da anemia falciforme varia muito entre as populações em proporção à exposição passada e presente à malária. A mutação falcêmica parece conferir certa resistência à malária, e, portanto, uma vantagem para a sobrevivência de indivíduos heterozigotos para a mutação. Existem quase 70.000 indivíduos com doença falciforme nos Estados Unidos. Em algumas populações da África, a prevalência de heterozigosidade é tão elevada quanto 30%.

 

PATOGENIA

         A hemoglobina é composta por quatro subunidades. Duas subunidades α, codificadas por HBA no cromossomo 16, e duas subunidades β codificadas pelo gene HBB no cromossomo 11. A mutação Glu6Val na β-globina diminui a solubilidade da hemoglobina desoxigenada e a leva a formar uma rede gelatinosa de polímeros fibrosos espessos que distorcem a hemácia, conferindo-lhe uma aparência de foice. Esses eritrócitos falciformes ocluem capilares causando infartos. Inicialmente, a oxigenação leva à solubilização desses polímeros, e o eritrócito recupera sua forma normal; no entanto, o afoiçamento e o retorno, repetidas vezes, levam a células irreversivelmente falcêmicas que são removidas da circulação pelo baço. A taxa de remoção dos eritrócitos da circulação é maior que a capacidade de produção da medula óssea, o que causa a anemia hemolítica.

            Em heterozigotos com traço com falciforme, aproximadamente, 40% da hemoglobina corresponde a HbS e o restante consiste em HbA, o que interfere com a polimerização da HbS. Como resultado, os eritrócitos em indivíduos heterozigotos não formam foices, exceto em condições de hipóxia profunda. A HbF inibe a polimerização da HbS mais que a HbA. Em consequência disso, os recém-nascidos não se tornam sintomáticos até atingirem 5 ou 6 meses de idade, quando o nível de hemoglobina fetal normalmente cai. Contudo, em alguns indivíduos, a expressão de HbF permanece em níveis relativamente elevados, uma condição conhecida como persistência hereditária de HbF; nesses pacientes, a anemia falciforme é muito menos grave.

            A heterogeneidade é comum na maioria dos distúrbios mendelianos, particularmente quando o alelo mutante causa perda de função. A anemia falciforme é uma exceção importante a esta regra porque uma mutação específica é responsável pelas novas propriedades únicas de HbS. HbC (hemoglobina variante na qual a lisina é substituída por ácido glutâmico no sexto resíduo de aminoácido da β-globina) também é menos solúvel que HbA e tende a se cristalizar nas hemácias, diminuindo sua deformabilidade em capilares e causando hemólise moderada, mas ela não forma os polímeros de HbS em forma de bastão.

            É importante salientar que a diminuição do pH reduz a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, consequentemente aumentando a fração de HbS desoxigenada em qualquer tensão de oxigênio e aumentando a tendência à formação de células falciformes.

 

FENÓTIPO E HISTÓRIA NATURAL

         Grande parte da patologia da doença falciforme está relacionada à oclusão vascular causada por células falciformes nos leitos microvasculares. Os tempos de trânsito na maioria desses leitos normais são muito curtos para permitir a ocorrência de uma agregação significativa de HbS desoxigenada, e, como resultado, a coleção de hemácias falciformes é confinada aos leitos microvasculares com tempos de trânsito lentos, encontrados no baço e na medula óssea normais, os quais são proeminentemente afetados nesse tipo de anemia, e também em leitos vasculares que estejam inflamados (o movimento do sangue pelos tecidos inflamados é lentificado pela adesão de leucócitos e eritrócitos às células endoteliais ativadas e pela transudação de fluidos pelos vasos avariados).

         Os pacientes com anemia falciforme geralmente se apresentam nos primeiros dois anos de vida com anemia, retardo no crescimento e desenvolvimento, esplenomegalia, infecções repetidas, e dactilite (tumefação dolorosa das mãos ou pés pela oclusão dos capilares nos pequenos ossos). Infartos vasoclusivos ocorrem em muitos tecidos, causando derrames, síndrome torácica aguda, necrose papilar renal, autoesplenectomia, úlceras nas pernas, priapismo, necrose óssea asséptica e perda visual. A vasoclusão óssea causa crises dolorosas e, se não tratados, esses episódios podem persistir por dias ou semanas. A asplenia funcional, a partir do infarto ou de outros fatores pouco compreendidos, aumenta a suscetibilidade a infecções bacterianas, como sepse pneumocócica e osteomielite por Salmonella. A infecção é a maior causa de morte em todas as idades, embora a insuficiência renal progressiva e a insuficiência pulmonar sejam, também, causas comuns de morte na quarta e na quinta década de vida. Os pacientes têm também um alto risco de desenvolver anemia aplásica com risco de morte por infecção por parvovírus, pois esta infecção causa uma cessação temporária da produção de eritrócitos.

            Os heterozigotos para a mutação (portadores do traço falcêmico) não têm anemia e são geralmente normais clinicamente. Sob condições de hipóxia grave, no entanto, como na subida a altitudes elevadas, os eritrócitos desses pacientes podem se afoiçar e provocar sintomas semelhantes aos observados na doença clássica.

 

TRATAMENTO

         O prognóstico para pacientes com doença falciforme melhorou consideravelmente nos últimos 10 a 20 anos. Aproximadamente 90% dos pacientes sobrevivem até os 20 anos de idade, e cerca de 50% sobrevivem além da 5ª década. A despeito disso, em um determinado paciente com anemia falciforme, não existe um prognóstico preciso para a gravidade do curso da doença. Embora a base molecular da doença seja conhecida há mais tempo do que a de qualquer outro defeito monogênico, o tratamento atual é somente de apoio. Nenhuma terapia que previna ou reverta o processo de afoiçamento in vivo foi identificada. A persistência da hemoglobina fetal melhora enormemente a gravidade da doença. Várias intervenções farmacológicas objetivando um aumento das concentrações de hemoglobina fetal estão sob investigação, e a hidroxiureia foi aprovada com esta indicação. O transplante alogênico de medula óssea é o único tratamento disponível atualmente que pode curar a anemia falciforme.

 

RISCO DE HERANÇA

         Pelo fato de a anemia falciforme ser um distúrbio autossômico recessivo, os futuros irmãos de uma criança afetada têm um risco de 25% de ter anemia falciforme e risco de 50% de ter o traço falcêmico. Com o uso de DNA fetal originado das vilosidades coriônicas ou amniócitos, o diagnóstico pré-natal está disponível por análise molecular da mutação falcêmica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.     NUSSBAUM, Robert L; MCILNNES, Roderick R.; WILLARD, Huntington F,; Genética Médica Thompson & Thompson. Editora Elsevier – Rio de Janeiro, 2008.

2.     KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; FAUSTO, Nelson; ASTER, Jon C. Robbins & Cotran Patologia – Bases Patológicas das Doenças. Editora Elsevier – Rio de Janeiro, 2010.