Xeroderma Pigmentoso
Autor: João Victor da Silva Soares.
INTRODUÇÃO
O Xeroderma Pigmentoso é um distúrbio autossômico recessivo do reparo do DNA, geneticamente heterogêneo, pan-étnico, e que causa uma acentuada sensibilidade à radiação ultravioleta. Nos Estados Unidos e na Europa, a prevalência é aproximadamente um em um milhão, mas no Japão, a prevalência é de um em 100.000.
PATOGENIA
A radiação UV provoca a ligação cruzada de resíduos de pirimidina, evitando a replicação normal do DNA. O reparo do DNA danificado por irradiação UV acontece por três mecanismos: reparo por excisão, reparo pós-replicação e fotorreativação. O reparo por excisão conserta o dano ao DNA através da excisão de nucleotídeos ou de bases. O reparo pós-replicação é um mecanismo de tolerância ao dano que permite a replicação do DNA sobre um molde danificado. A fotorreativação reverte o DNA danificado para o estado químico normal, sem remoção ou troca de qualquer material genético.
O reparo por excisão de nucleotídeo é um processo complexo, porém versátil, envolvendo pelo menos 30 proteínas. O princípio básico é a remoção de um pequeno segmento de DNA de fita simples contendo a lesão, por incisão nos dois lados do segmento danificado, e a posterior síntese de reparo para cobrir a lacuna, com o uso da fita complementar intacta como molde. Entre os genes transcritos, o dano ao DNA bloqueia a progressão da RNA polimerase II. A RNA polimerase II parada inicia o reparo por excisão de nucleotídeo (reparo acoplado à transcrição). No resto do genoma e em filamentos de genes não-transcritos, um complexo de reparo por excisão de nucleotídeo identifica o dano ao DNA por detecção de distorções da hélice no DNA (reparo global do genoma).
Ocasionalmente, o reparo por excisão de nucleotídeo não terá reparado uma lesão antes da replicação do DNA. Como essas lesões inibem a progressão da replicação do DNA, o reparo pós-replicação ultrapassa a lesão, permitindo que a síntese do DNA continue. A DNA polimerase medeia a síntese de DNA translesional; ela catalisa eficiente e precisamente a síntese de lesões anteriores de ditimidinas.
O Xeroderma Pigmentoso é causado por mutações que afetam a subvia de reparo global do genoma por excisão de nucleotídeos, ou por mutações que afetam o reparo pós-replicação. Em contraste, a síndrome de Cockayne, um distúrbio relacionado, é causada por mutações que afetam a subvia de reparo acoplado à transcrição do reparo por excisão de nucleotídeos. O Xeroderma Pigmentoso e a síndrome de Cockayne foram separados em 10 grupos de complementação bioquímica; cada grupo reflete uma mutação de um componente diferente do reparo por excisão de nucleotídeos ou reparo pós-replicação.
A capacidade reduzida ou ausente de reparo global do genoma ou reparo pós-replicação representa a perda das funções (caretaker) necessárias para a manutenção da integridade do genoma, e resulta em acúmulo de mutações oncogênicas. As neoplasias cutâneas de pacientes com xeroderma pigmentoso possuem um nível mais alto de mutações de oncogenes e genes supressores de tumor do que os tumores da população normal, e tais mutações parecem ser altamente específicas do UV.
FENÓTIPO E HISTÓRIA NATURAL
Pacientes com xeroderma pigmentoso desenvolvem sintomas a uma idade média de 1 a 2 anos, a despeito de o início após os 14 anos ser visto em quase 5% dos casos. Os sintomas iniciais incluem comumente facilidade para queimaduras de sol, fotossensibilidade aguda, sardas e fotofobia. O dano cutâneo continuado causa envelhecimento precoce da pele (afinamento, enrugamento, telangiectasias), queratoses actínicas pré-malignas, e neoplasias benignas e malignas. Quase 45% dos pacientes desenvolvem carcinoma das células basais ou escamosas, ou ambos, e cerca de 5% desenvolvem melanomas. Cerca de 90% dos carcinomas ocorrem em sítios de maior exposição ao UV (face, pescoço, cabeça, e ponta da língua).
Um dado interessante é que antes da introdução de medidas preventivas, a idade média para o desenvolvimento de neoplasias cutâneas era oito anos, 50 anos a menos que na população em geral, e a frequência de tais neoplasias era mais de 1.000 vezes maior do que aquela da população em geral.
Além dos sinais cutâneos, 60% a 90% dos pacientes sofrem anomalias oculares, incluindo fotofobia, conjuntivite, blefarite, ectrópio e neoplasia. Aproximadamente 18% dos pacientes sofrem degeneração neuronal progressiva. As características incluem: surdez sensorineural, retardo mental, espasticidade, hiporreflexia ou arreflexia, desmielinização segmentar, ataxia, coreoatetose, e oftalmoplegia supranuclear. A gravidade dos sintomas neurológicos é normalmente proporcional à gravidade do déficit no reparo por excisão de nucleotídeos. A neurodegeneração pode resultar de uma incapacidade de reparar o DNA danificado por radicais livres de oxigênio gerado endogenamente.
O reparo por excisão de nucleotídeos também corrige o dano do DNA por muitos carcinogênios químicos, como a fumaça do cigarro, comida defumada e cisplatina. Por conseguinte, os pacientes possuem um aumento de 10 a 20 vezes na incidência de neoplasias internas, como tumores cerebrais, leucemia, tumores pulmonares e carcinomas gástricos.
Os pacientes com xeroderma pigmentoso possuem uma expectativa de vida diminuída; sem proteção preventiva, sua expectativa de vida é cerca de 30 anos a menos do que aquela de indivíduos sem a doença. Melanoma metastático e carcinoma das células escamosas da pele são as causas mais comuns de morte.
TRATAMENTO
A confirmação do diagnóstico de xeroderma pigmentoso baseia-se em análises funcionais do reparo do DNA e sensibilidade UV; tais análises são normalmente realizadas em culturas de fibroblastos da pele. A confirmação do diagnóstico por identificação de mutações em um gene associado ao xeroderma não está disponível atualmente na clínica.
O tratamento de pacientes com xeroderma pigmentoso deve incluir evitar a exposição à luz solar, usar roupas protetoras, protetores solares físicos e químicos, e vigilância cuidadosa para neoplasias cutâneas malignas, e sua excisão. Nenhum tratamento curativo está disponível atualmente.
RISCO DE HERANÇA
Por se tratar de uma doença autossômica recessiva, muitos pacientes não possuem história familiar da doença. O diagnóstico pré-natal é possível por análise funcional do reparo do DNA e sensibilidade UV em culturas de amniócitos ou vilosidades coriônicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. NUSSBAUM, Robert L; MCILNNES, Roderick R.; WILLARD, Huntington F,; Genética Médica Thompson & Thompson. Editora Elsevier – Rio de Janeiro, 2008.
2. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; FAUSTO, Nelson; ASTER, Jon C. Robbins & Cotran Patologia – Bases Patológicas das Doenças. Editora Elsevier – Rio de Janeiro, 2010.