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Choque - Fisiopatologia
19/03/2015
Publicado por: Lara de Holanda Jucá Silveira

Choque- Fisiopatologia

Autor(a): Lara de Holanda Jucá Silveira
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Define-se choque como a síndrome da insuficiência vascular periférica ou insuficiência circulatória aguda, caracterizada pela diminuição da perfusão sanguínea nos tecidos. O choque é caracterizado pela falha um dos três componentes circulatórios básicos: o volume sanguíneo, a bomba cardíaca e o tônus vascular. É importante ressaltar que o tônus vascular se dá pela pressão intravascular adequada, estabelecendo uma resistência periférica necessária para o fluxo sanguíneo ocorrer.

1)    O Ciclo Hemodinâmico do Choque:

O choque pode ser causado por diversos agentes etiológicos, como sepse, hemorragias severas, anafilaxia e infarto agudo do miocárdio. A reversão do estado de choque circulatório, na maioria dos casos, depende da interrupção da ação do agente primário, apesar do choque ser um ciclo vicioso de alterações circulatórias maléficas. A diminuição do volume sanguíneo circulante é geralmente o evento mais importante e, muitas vezes, desencadeantes do choque. Desta forma, há um decréscimo do retorno ao coração e consequente diminuição do rendimento cardíaco, pois esse é dependente do enchimento diastólico, ou seja, do volume sanguíneo que chega ao coração. Consequentemente, há uma queda da pressão arterial.

Os mecanismos de compensação simpática envolvem a liberação de catecolaminas (p.e. adrenalina, noradrenalina), resultando em:

- Vasoconstrição sistêmica arterial.
- Aumento do cronotropismo (frequência) e inotropismo (força de contração) cardíacos.
- Esvaziamento dos leitos venosos.
- Aumento da resistência periférica.
- Diminuição da captação de glicose mediada por insulina, favorecendo órgãos como o cérebro.

Contudo, a persistência do agente causador do choque continua baixando a pressão sanguínea, aumentando a vasoconstrição e causando hipóxia tecidual isquêmica por insuficiência microcirculatória constritiva. A vasoconstrição periférica tem como objetivo desviar o sangue de órgãos não prioritários para a circulação central, de forma manter a perfusão sanguínea de partes vitais como o cérebro e o coração.  
Com a persistência da vasoconstrição, a microcirculação encontra-se em estase e vasoplegia (perda de controle do tônus muscular), causando hipóxia tecidual por estase sanguínea devido à insuficiência microcirculatória vasoplégica. Isso contribui para a redução mais intensa do volume sanguíneo circulante.

2)    A Microcirculação e o Choque:

Na microcirculação, o sangue é distribuído pelas pequenas artérias, dessas para as arteríolas proximais, seguindo para a unidade capilar. A unidade capilar é constituída de arteríolas terminais que dão origem as metarteríolas, que se ramificam em inúmeros capilares. Entre a metarteríola e os capilares, os esfíncteres pré-capilares controlam o fluxo sanguíneo para o capilar, determinando o recebimento de suprimento sanguíneo. O sangue retorna ou pelos capilares para a vênula coletora. Quando há constrição dos esfíncteres pré-capilares, o sangue passa das arteríolas terminais diretamente para as vênulas coletoras através das metarteríolas. Dessas, o sangue passa para as vênulas distais e, por fim, para as pequenas veias. Quando há vasoconstrição intensa, o fluxo sanguíneo pode ser direcionado para as comunicações arterio-venosas (“shunts”). Fisiologicamente, os capilares sanguíneos são isquêmicos e funcionam com 6 a 7 % do volume sanguíneo total.

É importante ressaltar que das arteríolas terminais às vênulas coletores, não há fibras elásticas, somente músculo liso na parede dos vasos. A circulação após as arteríolas proximais é controlada basicamente por fatores vasotrópicos humorais. Os de origem sistêmica são constritores e chegam aos tecidos pela corrente sanguínea. Já os mediadores vasotrópicos teciduais, de origem local, são basicamente dilatadores.

No choque, há a liberação excessiva de catecolaminas (vasoconstritores), causando o fechamento dos esfíncteres pré-capilares e passagem de líquido intersticial para dentro do capilar, reduzindo a pressão dentro do vaso.  Com a persistência da vasoconstrição, há hipóxia isquêmica pela deficiência de perfusão. Assim, há troca do metabolismo aeróbico pelo anaeróbico e consequente aumento da produção de metabólitos ácidos, como o ácido lático, causando acidose metabólica.

Devido a isso, a produção de vasodilatadores locais aumenta muito, fazendo com que haja perda do padrão de vasomoção, relaxamento total dos músculos lisos, enchimento irrestrito dos capilares e estase sanguínea. Isso caracteriza o quadro de sequestração sanguínea periférica. Há o agravamento do quadro pela vasoconstrição das arteríolas proximais e vênulas distais, pois estão distantes da vasodilatação dos mediadores locais e sob o efeito vasoconstritor de mediadores sistêmicos. O grande aumento da permeabilidade vascular é causado pela maior pressão intraluminar, devido à constrição venular. A permeabilidade aumentada gera a passagem anormal de proteínas plasmáticas do vaso para o espaço intersticial, fazendo que, consequentemente, haja a passagem de líquido intravascular e edema intersticial. O retorno sanguíneo é reduzido ainda mais.

3) Alterações Celulares no Choque:

- Alterações mitocondriais: Edema e ingurgitamento; Inatividade da bomba de sódio e potássio, causando desequilíbrio iônico; Rotura das membranas mitocondriais, devido à hipóxia; Extravasamento de enzimas mitocondriais e fragmentação das cristas.
-Alterações nos lisossomos: Liberação de enzimas hidrolíticas após a morte celular gera destruição da própria célula e de células vizinhas, aumentando a lesão tecidual. A citólise em cadeia é uma das principais causas de irreversibilidade do choque. Além disso, a ativação do sistema de cininas provoca a formação de polipeptídeos tóxicos vasodilatadores, aumentando a estase e permeabilidade capilar.
- Alteração nos ribossomos: Fragmentação e degranulação, provocando depressão funcional.
- Edema Celular.
- Alterações na Membrana Celular: Desequilíbrio iônico pela falência da bomba de sódio e potássio, causada pela falta de ATP. Aumento da permeabilidade.

 

4)    Alterações Complementares:

a)     O aumento da viscosidade sanguínea se deve ao fluxo de sangue muito lento, à estase em alguns casos, à passagem de plasma para o interstício e à aglutinação de elementos figurados do sangue (leucócitos, hemácias e plaquetas). O pulmão é um dos principais alvos da agregação celular no sangue, pois o crivo pulmonar facilmente retém elementos que podem provocar sérias complicações, como a Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD). Além disso, os agregados de células sanguíneas podem promover, no pulmão: 1) Aumento da liberação de serotonina; 2) Coágulos brancos (agregados plaquetários com partículas de gordura); 3) Deposição de fibrina nos agregados; 3) Liberação de proteases;
 

b)    Sequestração Sanguínea: O volume sanguíneo circulante efetivo está significativamente reduzido.
 

c)     Shuntagem Periférica: Ocorre quando as comunicações arteriovenosas, que normalmente estão fechadas, se abrem, causando uma circulação sanguínea ineficiente, pois não promove a nutrição de tecidos. A abertura destes shunts pode ser induzida por vasoconstrição intensa, obstáculos mecânicos, estimulação excessiva de beta-receptores e alto grau de acidose metabólica.
 

d)    Edema Intersticial.
 

e)     Redução do Líquido Intersticial e Sódio Extracelular: Normalmente, o sódio encontra-se em maiores quantidades fora da celular. Contudo, com a falência da bomba de sódio e potássio, a migração de sódio para o espaço intracelular é grande, carreando também água do líquido intersticial (redistribuição isotônica).  A retenção de água e sódio também pode ocorrer no colágeno, tendo um aumento da afinidade deste por sódio e água em momentos de estresse biológico ou acidose.
 

f)     Aumento da Coagulabilidade Sanguínea: No choque, há inicialmente aumento da coagulabilidade sanguínea. O aumento da coagulação do sangue se dá pela 1) Liberação de tromboplastina; 2) Acidose; 3) Estase Circulatória; 4) Agregação de leucócitos, plaquetas e hemácias; 4) Excesso de catecolaminas; 5) Endotoxinas bacterianas. Esta fase é seguida pela diminuição da coagulabilidade e, por fim, incoagulabilidade por fibrinólise, causando hemorragias graves. A coagulação intraluminal promove o desenvolvimento de pequenos e grandes trombos. É um dos maiores fatores de irreversibilidade em choques sépticos e hemorrágicos. Fígado e pulmão são os órgãos mais atingidos.
 

g)    Embolia Gordurosa: A grande liberação catecolaminas e cortisol, pelo estresse físico, causa grande mobilização lipídica, elevando os triglicerídeos, glicerol e ácidos graxos séricos. A agregação dessas moléculas provoca a formação excessiva de macroglóbulos de lipídios, sendo muito danosas para os vasos pulmonares, gerando: 1) Lesão tóxica à pneumócitos I e II; 2) Quebra da tensão superficial (microatelectasias); 3) Lesão na membrana alvéolo-capilar. 4) Vasoconstrição arteriolar e venular pulmonares.
 

h)     Hiperatividade de Enzimas no Sangue.
 

i)      Acidose Metabólica.

 

 

Bibliografia:

Livro Choque – Choque: Bogossian, Levão.