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Mecanismos da dor oncológica
18/02/2015
Publicado por: Luis Fernando Johnston Costa

 


 

Relação dor x câncer

Os indivíduos com câncer podem apresentar desconfortos resultantes da presença, progressão ou evolução da neoplasia, das idiossincrasias ou iatrogenias dos numerosos procedimentos diagnósticos invasivos ou não, das intervenções terapêuticas e ou analgésicas e, também de morbidades ­­concomitantes não relacionadas ao câncer. A dor pode ocorrer nas fases aguda ou crônica da doença (cicatrização, reabilitação, reintegração). A dor aguda apresenta duração equivalente ao período esperado para a resolução de sua condição causal e a crônica, perdura além do período esperado da resolução de sua causa ou ocorre em doentes com doenças naturalmente crônicas como as oncológicas.

A dor pode ser nociceptiva e decorrer da ativação e sensibilização dos nociceptores tegumentares, subtegumentares, músculo-esqueléticos ou viscerais ou da lesão das estruturas nervosas do Sistema Nervoso Central (SNC) ou sistema nervoso periférico (SNP). A dor psicogênica, atualmente considerada um dos muitos tipos de dores neuropáticas, é de ocorrência rara. Em algumas situações há participação de mecanismos neuropáticos e nociceptivos (síndrome complexa de dor regional, síndrome fibromiálgica). Pode ser localizada ou generalizada, superficial ou profunda, regional ou referida. Pode ser intensa, moderada ou fraca. A dor pode ser constante, espontânea ou intermitente ou cursar com episódicos de dor aguda em repouso ou apenas quando o doente é mobilizado ou manipulado (procedimentos diagnósticos, cirurgias, fraturas, obstruções viscerais ou arteriais, acutizações da doença).

 Em casos de lesão neuropática, podem ocorrer paroxismos de sensações de choque, pontadas ou queimação nas regiões desaferentadas. Sua acutização pode significar instalação de lesões novas ou tratamento inapropriado da dor pré-instalada. Muitos doentes podem sofrer piora semanas, meses ou anos após a completa recuperação das lesões, especialmente quando há lesão dos nervos sensitivos ou do SNC.

 

Mecanismos da dor oncológica

1.      Dor decorrente primariamente do câncer

 • Invasão ou distorção óssea e das demais estruturas do aparelho locomotor. Frequentemente decorre do mieloma múltiplo, das metástases, especialmente das neoplasias da mama, próstata ou pulmão ou das fraturas ósseas

 • Infiltração e ou compressão dos troncos nervosos periféricos e ou do neuroeixo. A dor pode decocorrer de invasão ou distorção dos nervos, plexos e raízes nervosas, medula espinal, encéfalo e ou meninges pelo tumor ou suas metástases. Nestes casos, pode apresentar características neuropáticas, nociceptivas (hipertensão intracraniana) ou mistas (carcinomatose meníngea).

• Acometimento das vísceras ocas ou parenquimatosas. A oclusão das vias de trânsito viscerais resulta em estase à montante e, consequentemente, em distensão das paredes das vísceras, espasmo muscular e isquemia tecidual do que resulta dor difusa, tipo cólica ou peso mal-localizada, episódica ou constante, referida à distância. A dor também pode resultar da distensão da cápsula das vísceras sólidas.

• Oclusão de vasos sanguíneos ou linfáticos. A redução do calibre ou oclusão de vasos pela invasão ou compressão extrínseca pelo tumor pode causar estase venosa ou linfática, edema e ou isquemia tecidual e, consequentemente, dor e claudicação.

• Infiltração ou ulceração das mucosas e ou do tegumento. A necrose do tegumento e das mucosas é causa de dor, especialmente em doentes com neoplasias oral, proctológica ou genitourinária.


2.      Dor decorrente de procedimentos terapêuticos ou de manipulações

• Dor decorrente do uso de medicamentos. Analgésicos opioides (cólicas intestinais ou biliares, retenção urinária, obstipação intestinal, síndromes hiperestésicas), anti-inflamatórios não-esteroidais (doença péptica) ou corticosteroides (doença péptica, monilíase do trato digestivo rostral, pseudorreumatismo esteroidal, mialgias, artralgias, necrose asséptica da cabeça do úmero ou do fêmur, fraturas ósseas), e agentes antineoplásicos (doença péptica, mucosite, neuropatias periféricas, espasmos vesicais) podem causar dor.

 • Dor decorrente de atos operatórios. Decorre do traumatismo tecidual pelas incisões ou cicatrização das feridas operatórias, desbridamento das feridas ou das lesões nos locais de doação da pele, amputações (dor no membro fantasma e ou no coto de amputação), neuropatias periféricas traumáticas decorrentes das operações.

• Dor decorrente de manipulações. Manifesta-se durante a execução de cuidados de enfermagem (higiene, mudanças de decúbito), realização de curativos, procedimentos de reabilitação etc.

• Dor decorrente da radioterapia. As lesões actínicas, incluindo-se as do tegumento, das mucosas e do SNP ou SNC podem resultar em dor aguda ou crônica.

• Dor decorrente de procedimentos diagnósticos. Decorre das punções das artérias, veias, medula óssea, cavidades dos procedimentos para coleta do líquido cefalorraquidiano, de biópsia, de exames eletroneuromiográficos, de procedimentos diagnósticos de imagem etc.


3.      Dor decorrente de lesões secundárias

A dor pode resultar de retrações articulares e musculares, lesão de estruturas do SNP ou do SNC somatossensitivo, fraturas ósseas, anormalidades viscerais (doença péptica, discinesias de vísceras), isquemias teciduais etc e serem secundárias ao câncer, seu tratamento ou reabilitação do doente. A fraqueza devida à redução da massa muscular ou o desbalanço postural ou dos grupamentos musculares, as anormalidades do sono ou a execução de atividades sem o devido condicionamento, a ocorrência de contraturas, cicatrizes hipertróficas, amputações, as lesões do SNC ou SNP a ansiedade e a depressão podem desencadear ou agravar as síndromes dolorosas miofasciais. Erupção pelo vírus Herpes Zoster é comum no doente debilitado ou imunossuprimido, especialmente naqueles com linfomas ou leucemias. Especialmente em doentes com tumor pulmonar de células pequenas ou neoplasias de mama e ou de ovário podem ocorrer síndromes paraneoplásicas, neuropatias (dermatomiosite, miopatia, artrite, polimialgia reumática), Tromboembolismo e síndrome do imobilismo podem decorrer da inatividade ou indiretamente do próprio câncer. Alguns fármacos podem desencadear neuropatias tóxicas, carenciais ou dor musculo-esquelética.

 

4.      Dor não relacionada ao câncer ou ao seu tratamento

Infecções, osteomielite, afecções vasculares, traumáticas, metabólicas, carenciais, degenerativas (osteoartrose), imunoalérgicas, inflamatórias (doenças reumatológicas), neurológicas (migrânea, cefaleia tipo tensão, neuropatias diabética, alcoólica ou pós-herpética, hérnia discal), músculo-esqueléticas (síndromes dolorosas miofasciais, síndrome fibromiálgica) etc podem ocorrer no doente com câncer e não decorrer em direta ou indiretamente de sua existência.


Fonte:

II Consenso Nacional de Dor Oncológica. -1. ed. -- São Paulo : EPM - Editora de Projetos