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Doença hemolítica do recém-nascido
11/11/2012
Publicado por: administrador

 

Texto por Clara Mota Randal Pompeu

Doença hemolítica do recém-nascido (Eritroblastose fetal)

 
Doença hemolítica decorrente de incompatibilidade entre o grupo sanguíneo da mãe e do feto, quando este herda determinantes antigênicos do pai, resultando em uma resposta imune da mãe in utero. É três vezes mais freqüente em caucasianos do que em negros.

Etiologia e Patogenia 
 
Os determinantes antigênicos do Rh são transmitidos geneticamente por cada progenitor e determinam fatores C/c, D/d e E/e. Cada fator pode levar a uma resposta, porém 90% das reações são decorrentes de antígeno D. A mãe é sensibilizada por antígenos presentes nos eritrócitos fetais quando estes atingem a corrente sanguínea materna, principalmente durante o terceiro trimestre de gestação, por ausência do citotrofoblasto como barreira, ou mesmo durante o parto.
 
A exposição inicial ao antígeno leva a formação de Ac IgM, sendo, pois, incomum a doença na primeira gestação. A exposição nas gestações subseqüentes leva a produção de Ac IgG (que cruzam a barreira placentária), levando, então, a manifestações clínicas.
 
Os Ac IgG ligam-se a eritrócitos Rh+, levando a sua opsonização. Estas células passam a ser reconhecidas por fagócitos, além de ativarem o sistema complemento (C3b e C4b), o que facilita o reconhecimento por células fagocitárias. A remoção e destruição do complexo Ac- eritrócito leva a uma anemia, que implica uma hematopoese extramedular (em fígado, baço, linfonodos, rins, pulmões, até coração), além de descompensação cardíaca, que leva a hidropisia. 
 
Quando a mãe o feto são incompatíveis quanto ao Sistema AB0, a mãe torna-se parcialmente protegida contra a sensibilização por Rh, pois células do feto que eventualmente atinjam sua corrente sanguínea são prontamente removidas por Ac IgM do tipo anti-A e anti-B previamente existentes. A administração de Anti-D gama globulina (soro Mathergam) na mãe imediatamente após o parto de crianças Rh+ apresenta-se como uma eficiente estratégia profilática. 
 
Manifestação Clínica
 
A gravidade da doença pode variar de apenas uma evidência laboratorial de hemólise (15% dos casos) até anemia severa com hiperplasia compensatória dos tecidos eritropoéticos, o que pode levar a hepatomegalia e esplenomegalia. A atividade hematopoética aumentada justifica a significante presença de eritrócitos imaturos, daí a denominação eritroblastose fetal.
 
Quando excedida a capacidade compensatória do sistema hematopoiético, ocorre profunda anemia, resultando em palidez, sinais de descompensação cardíaca, anasarca.  Hidropisia fetal, presença de fluido abdominal em excesso em dois ou mais compartimentos fetais (pele, pleura, pericárdio, placenta, peritônio, fluido amniótico), pode levar a morte intra-uterina ou logo após o parto. A gravidade da hidropisia está relacionada à anemia e ao grau de redução da albumina sérica (diminuição da pressão oncótica), devido à disfunção hepática. As alterações cardíacas também podem levar ao desenvolvimento de edema e ascites.
 
Icterícia apresenta-se geralmente no primeiro dia de vida, pois o sistema excretor e de conjugação da bilirrubina da criança não são suficientes para lidar com a hemólise em massa. É incomum a icterícia ao nascimento, pois a placenta realiza um clearence de bilirrubina não-conjugada e solúvel em lipídios. A degradação da hemoglobina leva a um acúmulo de bilirrubina, que pode levar kernicterus (lesão no SNC, cérebro apresenta-se edemaciado e aumentado, além de apresentar uma coloração amarelo-brilhante).
 
Dados Laboratoriais
 
O esfregaço sanguíneo geralmente mostra uma policromasia e um aumento no número de células vermelhas nucleadas. Células brancas geralmente estão normais, podendo estar elevadas em alguns casos. O nível de bilirrubina do cordão umbilical apresenta-se entre 3 a 5 mg/dL, nível de bilirrubina conjugada pode estar aumentado, e a bilirrubina não-conjugada aumenta rapidamente entre a primeira e sexta horas de vida. O nível de hemoglobina no cordão umbilical pode variar, sendo geralmente proporcional a severidade da doença. Apesar da hemólise, pode apresentar-se normal por conta da hematopoese medular e extra-medular. 
 
Realiza-se o Teste de Coombs, no qual é utilizado o soro de Coombs (soro da imunoglobulina humana), que é capaz de promover a aglutinação de hemácias sensibilizadas. Pode ser realizado direto (filho), através do qual se evidencia se há anticorpos incompletos (bloqueiam o antígeno, mas não são capazes de aglutinar as hemácias) aderidos à membrana eritrocitária. Se houver aglutinação, classifica-se como positivo (+ a ++++), se não houver aglutinação, diz-se negativo. Antes do tratamento com transfusões intra-uterinas, apresenta-se geralmente positivo, tornando-se negativo após o tratamento.
 
Através do teste de Coombs indireto (mãe), pesquisa-se a presença de anticorpos incompletos no soro.  Se o Coombs indireto é positivo a titulação dos anticorpos será realizada, até que se detectem títulos superiores a 1:8, pois estes indicam um maior risco de hemólise para o feto.
 
Diagnóstico
 
Aborto, transfusões ou gravidez prévia em mulheres Rh negativo podem sugerir sensibilização. Deve-se testar potencial incompatibilidade entre tipos sanguíneos dos pais, e também se devem analisar hemácias fetais (ou apenas DNA) colhido da corrente sanguínea materna. 
 
Um título de 1:64 de Ac anti-D no sangue materno no começo da gravidez sugere doença hemolítica considerável. Caso constate-se um título de 1:16 em qualquer período da gravidez, deve-se monitorar a gravidade da doença fetal através de um Ultrassom Doppler da artéria cerebral média ou da aorta descendente (O estado hipercinético provocado pela anemia leva a um aumento da velocidade média da coluna de sangue, esta última conseqüência do aumento do trabalho cardíaco e da redução da viscosidade sangüínea). O US Doppler pode demonstrar aumento da resistência vascular fetal das artérias fetais (cerebral média). 
 
Através da cordoncetese, é possível obter uma amostra do sangue fetal, analisa-se então o hematócrito fetal, níveis de hemoglobina e o tipo sanguíneo. Analisa-se, pois, parâmetros importantes para a conduta terapêutica.
 
A amniocentese é utilizada para estimar a taxa de hemólise fetal. Apesar de a bilirrubina ser excretada pela placenta, uma significante parte pode passar para o líquido amniótico, na amniocentese mede-se, então, a hiperbilirrubinemia. Amniocentese e cordoncentese são procedimentos invasivos, que apresentam riscos tanto para a mãe quanto para o feto, como risco de morte fetal, sangramento fetal, bradicardia fetal, piora da aloimunização, ruptura prematura de membranas e parto prematuro.
 
O diagnóstico pós-natal é realizado através da análise dos sinais clínicos da criança e pela análise de sangue proveniente do cordão umbilical. 
 
Tratamento
 
Os objetivos da terapia são prevenir morte intra ou extrauterina por anemia ou hipóxia e evitar neurotoxicidade por hiperbilirrubinemia. 
 
Em casos de doença grave (hematócrito 30%), indica-se transfusão intra-uterina de através da veia umbilical. A taxa de sobrevivência a transfusão é de 89%, e em 3% dos casos, surgem complicações, como ruptura de membranas, parto prematuro e infecção. No caso de fetos maduros, ou próximos da maturidade (apresentando pulmões maduros ou com um período de 35-37 semanas de gestação, por exemplo), indica-se antecipação do parto.
Deve-estabilizar o recém-nascido na sala de parto, podendo ser necessárias reanimação cardiovascular, ventilação assistida, drenagem do líquido pleural ou ascítico. Avalia-se o grau de hidropisia, anemia, hepatoesplenomegalia, púrpura, prematuridade, adaptação cardiovascular. Deve-se colher sangue do cordão para: tipagem ABO e Rh, Coombs direto, hemograma, bilirrubina e proteínas totais/albumina. Deve-se preparar sangue para a necessidade de uma exsanguíneo-transfusão precoce: sangue 0, Rh negativo, com baixo título de Ac anti-A e anti-B, irradiado, CMV negativo, cruzado com o plasma e G. V. maternos.
 
Prevenção de Sensibilização por Rh
 
A administração de imunoglobulina anti-D (Rhogam, Mathergam) em mulheres Rh - e com exame Coombs indireto negativo neutraliza o antígeno D presente nas hemácias fetais Rh +, que passaram para circulação sangüínea da gestante, impedindo, assim, a produção de anticorpos anti-D pela mesma. Sendo realizada em um período de 72hr do parto, de uma gravidez ectópica, de um trauma abdominal durante uma gravidez, de uma amniocentese, de uma biópsia de vilosidades coriônicas ou de um aborto reduz para menos de 1% o risco de sensibilização de mães Rh - negativo.
 
 
 
Bibliografia
*Bases Patológicas das Doenças – Robbins e Cotran – 8ª. Edição
*Imunologia Básica – Abbas e Lichtman – 2ª. Edição
*Nelson Textbook of Pediatrics – 18th edition - Kliegman
*Consenso de Neonatologia – Doença Hemolítica do Recém-nascido - José Malono, Isabel Nabais, Álvaro Cohen, Glória Fraga, Sara Gonçalves