Icterícias
Anna Beatriz Perdigão Cordeiro
Definição
Icterícia é a coloração amarelada da pele, mucosas e conjuntivas. A concentração normal das bilirrubinas é: BI: até 0,8 mg/dL e BD: até 0,4 mg/dL. Em geral, é clinicamente perceptível quando BT > 2,5 mg/dL. É importante que seja feito o diagnóstico diferencial com hipercarotenemia, que também pode deixar a pele com aspecto amarelado devido à grande ingesta de alimentos ricos em caroteno, que é mais evidente nas palmas das mãos e plantas dos pés, poupando escleróticas.
Metabolismo da Bilirrubina
Origem:
70-80% degradação do grupo heme pelas células do sistema fagocítico mononuclear do baço e medula óssea.
20-30% heme das hemoproteínas hepáticas (citocromo P450 e catalase) e extrahepáticas (mioglobinas)
<1% destruição de hemácias prematuras na medula óssea ou na circulação.
A hemoglobina, por ação da heme-oxidase, transforma-se em biliverdina, que será transformada pela biliverdina redutase em bilirrubina indireta ou não conjugada. Esta, será transportada por meio da ligação à albumina até o fígado, onde ocorre a captação pela membrana dos hepatócitos, transporte até o retículo endoplasmático pelas ligandinas (Y e Z). No retículo endoplasmático, acontece o processo de conjugação, catalisado pela enzima UDP-glicuroniltransferase, gerando a bilirrubina conjugada ou direta, que será excretada na bile.
A excreção, etapa limitante de todo o processo, ocorre através dos sistemas de transporte ATP dependente: MRP2 (multidroga resistente associado a proteína 2) e cMOAT (canalicular multiespecífico orgânico anion transportador). Essa etapa pode ser afetada devido ao uso de diversas drogas, levando à colestase.
Classificação
As icterícias classificam-se em:
1- Indireta
Causas:
Produção excessiva
Anemia hemolítica (drogas, infecção, leucemias, linfomas), hiperesplenismo, absorção de hematomas, reações tranfusionais, eritropoiese ineficaz (anemia megaloblástica, anemia ferropriva, intoxicação por chumbo, talassemia, porfiria).
Diminuição da captação hepatocelular
Uso de rifampicina ou sulfas, que deslocam a bilirrubina indireta da ligação com a albumina, afetando, assim, o proceddo de entrada no hepatócito.
Diminuição ou ausência na conjugação
Síndrome de Gilbert
Deficiência na glicuronidação hepática. É a causa de hiperbilirrubinemia indireta não hemolítica mais comum, cursando com icterícia intermitente (bt < 5mg/dL, em geral) e provas de função hepática normais. O diagnóstico se dá por exclusão, confirmado pelo teste do jejum (aumento de 50% nos níveis de BI após 24h com dieta de 400cal/dia). Os pacientes são assintomáticos. A doença não é tratada e possui bom prognóstico. Nesses casos, a icterícia acentua-se com jejum, estresse e infecções.
Síndrome de Crigler-Najjar I e II
Hiperbilirrubinemia familiar por deficiência de glicuronil transferase.
Tipo I: ausência completa de glicuroniltransferase hepática - morte no 1o ano de vida por kernicterus. O tratamento de escolha é o transplante hepático e os paliativos são plasmaférese e fototerapia.
Tipo II: deficiência parcial da glicuroniltransferase. Níveis de bilirrubina flutuantes, respondendo bem ao fenobarbital (droga que leva a uma hipertrofia do retículo endoplasmático e aumenta a taxa de conjugação). Os pacientes possuem xpectativa de vida normal, sem sequelas neurológicas.
Icterícia fisiológica do RN
Ocorre devido a uma maturação do sistema enzimático, cerca de 2-3 dias após nascimento, desaparecimento em 2 semanas. Mais frequente em prematuros.
Síndrome de Lucey-Driscoll
Hiperbilirrubinemia neonatal familiar transitória. Icterícia surge após a primeira semana de vida. É atribuída a presença de hormônios gestacionais no soro do recém nascido, interferindo na conjugação da bilirrubina. Pode atingir níveis muito altos de BI (40-60 mg/dL) e causar kernicterus.
2- Hepatocelular
Nas hepatopatias agudas ou crônicas, a icterícia pode cursar com colestase prolongada, levando a prurido e hipocolia/acolia fecal, podendo simular quadro de icterícia obstrutiva.
Causas comuns são: Hepatites A (principalmente), B e C (sobretudo na fase crônica), infecções por outros vírus, como CMV, Dengue, FA, Epstein-Barr. Além dessas, outras doenças que podem cursar com icterícia são: leptospirose, malária, abcesso hepático, pielonefrite, pneumonia de base, sepse.
Icterícia associada à elevação de aminotransferases, indisposição, anorexia e alteração na coloração das fezes e urina indicam agudização de doença hepática crônica (hepatite autoimune, doença de Wilson, hepatites por vírus B ou C).
Quando há febre com calafrios → Tríade de Charcot, indicando colangite.
3- Obstrução mecânica dos ductos biliares
Colestase Intrahepática
Hepatopatia, doenças infecciosas, sepse, doenças infiltrativas hepáticas, choque, alimentação parenteral, colestase benigna da gestação, colestase no pós-operatório, colestase intra-hepática recorrente benigna.
Síndrome de Dubin-Johnson
Mutação no gene ABCC2/MRP2, que codifica o transporte canalicular da bilirrubina, gerando um defeito na excreção da bilirrubina conjugada. (3-10mg/dL).
Síndrome de Rotor
Distúrbio no armazenamento da bilirrubina conjugada, que retorna ao sangue antes de ser excretada na bile.
Colestase Extra-hepática
Coledocolitíase, estenose, colangite, dicinesia da papila, pancreatites, colangiopatia do HIV, ascaris, má-formação na árvore biliar (doença de Caroli, cistos do colédoco), processos malignos (neoplasias periampulares, metástases).
Síndrome de Mirizzi
Estreitamento do ducto hepático comum devido à impactação de um cálculo no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula.
Doença de Caroli
Dilatação e estenose da árvore biliar intra-hepática. Congênita. Manifesta-se com colestase, prurido, cálculos intra-hepáticos, dor abdominal, episódios de colangite, em geral, desde a infância.
Outras Causas
Medicamentos
Hiperbilirrubinemia direta
Competição na ligação com albumina: sulfonamida, salicilatos
Hemólise: Antimaláricos, Metildopa, sulfonamidas
Hepatocelular
Acetaminofen, Amiodarona, Propiltiouracil, DAINES
Colestase
Amoxicilina + clavulanato de potássio, CO, esteroides anabolizantes, rifampicina.
Icteríricias pós transplante hepático
0-3 dias: disfunção primária do enxerto ou trombose da artéria hepática – elevação extrema das aminotransferases.
3-14 dias: rejeição celular aguda, recorrência de hapatites virais, bile lack, hepatoxicidade por droga.
14 dias – 3 meses: infecções oportunísticas
Icterícia na gravidez
Hepatite viral: causa mais comum.
Esteatose maligna gestacional
Toxemia gravídica – pré-eclampsia, síndrome HELLP
Colecistite alitiásica
Causa rara de colestase e icterícia. Traumas, cirurgias de grande porte, queimaduras, sepse, ventilação mecânica.
Sintomas Associados
Sintomas associados importantes na síndrome ictérica são:
- Nível de consciência
Encefalopatia hepática, colangite, sepse, síndrome do choque da dengue.
- Grau da icterícia
- Adenomegalias
- Sinais de hepatopatia crônica
- Febre (com ou sem calafrios)
Infecções, colangite, anemia hemolítica, neoplasias
- Perda de peso
Neoplasias, abcesso hepático, cirrose avançada, colestases benignas persistentes.
- Anemia
Hemólise, neoplasias, linfomas, hiperesplenismo.
- Dor abdominal
- Prurido
Associado aos quadros de colestase. Por vezes, incapacitante, causa de suicídio.
- Sinal de Courvoisier – Terrier
Vesícula palpável e indolor, Indica bstruções neoplásicas ou doença benigna da confluência biliopancreática.
Referências:
Gastroenterologia e Hepatologia – José Milton de Castro Lima;
Exame Clínico – Porto & Porto
Bases patológicas das doenças – Robbins & Cotran