Causas Específicas de Diarreia Crônica e Tratamento
Autor: Joana Thaynara Torres Viana
1. Supercrescimento Bacteriano
O aumento do número de bactérias ou a presença de bactérias não usuais no trato digestório superior provoca uma má absorção de nutrientes. As bactérias anaeróbias desconjugam precocemente os ácidos biliares, sendo estes mais facilmente absorvidos, o que diminui sua concentração no lúmen, e prejudica a formação de micelas.
As causas são:
- redução da secreção ácida pelo estômago – gastrite atrófica
- uso de antiácidos
- cirurgias gástricas (redução da secreção cloridopéptica)
- redução da motilidade intestinal (como DM ou esclerodermia)
Obs: condições anatômicas pós-cirúrgicas que levem a estase ou recirculação de bactérias habitualmente restritas ao cólon.
Quadro Clínico
Diarreia aquosa, dor abdominal, esteatorreia, emagrecimento, flatulência, além de manifestações da deficiência de vitaminas lipossolúveis.
Diagnóstico
Cultura de aspirado duodenal ou jejunal, e testes respiratórios.
Tratamento
Antibioticoterapia, com o objetivo de modificar a flora bacteriana. Os antibióticos mais usados são: tetraciclina, ciprofloxacina, amoxicilina + clavulonato de potássio, cefalexina ou metronidazol.
2. Intolerância à lactose
É a causa mais comum de má-absorção seletiva de carboidratos, através da diminuição da sua síntese e da deficiência no transporte intracelular e na glicosação da lactose.
Quadro Clínico
Dor abdominal em cólica, flatulência e eructações após ingestão de leite e derivados; diarreia osmótica*.
*A metabolização da lactose por bactérias colônicas faz com que sejam produzidos ácidos graxos de cadeia curta, surgindo, então, uma dificuldade na reabsorção da grande quantidade de ácidos graxos de cadeia curta, o que provoca a diarreia osmótica.
Doenças que causam deficiência de lactose secundária e reversível:
- Gastroenterite Viral Aguda
- Giardíase
- Supercrescimento bacteriano
Diagnóstico
Teste de tolerância à lactose, ou hidrogênio expirado.
Tratamento
Dieta pobre em alimentos que contenham lactose, ou reposição da lactase por via oral.
3. Insuficiência Pancreática
Causas:
- Pancreatite Crônica
- Estimulação pancreática ineficiente
- Cirurgias gástricas com by-pass duodenal
A pancreatite crônica provoca destruição progressiva das células das ilhotas e do tecido acinar (90% do tecido acinar destruído: aparecem os sintomas de má-absorção, por exemplo, a esteatorreia), o que causa a perda da função exócrina (tardiamente).
Diagnóstico
- Enzimas pancreáticas e concentração de bicarbonato (avaliação da função pancreática após estimulação com secretina e/ou colecistoquinina com entubação duodenal, para aspiração do suco pancreático).
Concentração de bicarbonato < 90mEq/L => diagnóstico de pancreatite crônica
- Screening: medida da concentração de quimiotripsina ou da elastase (maior sensibilidade) nas fezes.
- US e TC: detecção de anormalidades pancreáticas
- Colangiopancreatografia por RM
4. Infecção
Giardíase Crônica
è Após uma crise aguda e na ausência de sintomas prévios importantes.
“Giardia intertinalis”: 2 a 7% dos países desenvolvidos e até 40% dos países tropicais e subtropicais com baixas condições higiênicas e sanitárias.
Principais queixas
Diarreia, perda de peso, fadiga e esteatorreia.
Fatores de gravidade
- Hipogamaglobulinemia
- Alta densidade de parasitas
- Virulência do protozoário
Diagnóstico
Achado da “Giardia” ou seus antígenos nas fezes ou biópsia de delgado. Não ocorre leucocitose periférica, eosinofilia ou presença de leucócitos nas fezes.
5. Doença Celíaca
Doença autoimune, ocorrendo em indivíduos geneticamente susceptíveis, em decorrência da alergia ao glúten. É uma desordem sistêmica crônica que afeta primariamente o trato gastrointestinal e é induzida pelo consumo de proteínas presentes no trigo, centeio e cevada. Acarreta lesão inflamatória crônica característica na mucosa do intestino delgado, principalmente no jejuno.
Patogênese
Envolvimento de fatores ambientais, genéticos e imunológicos.
Apresentação Clássica
- esteatorreia, distensão abdominal, edema e adinamia importante
- diarreia: <50% dos casos
(varia desde quadro grave de má absorção e desnutrição proteico-calórica até sintomas gastrointestinais inespecíficos)
Espectro da Doença Celíaca
1. Doença Ativa
- Forma Clássica: sintomas e sequelas de má absorção gastrointestinal; diagnóstico por testes sorológicos positivos e exame histopatológico característico;
- Com sintomas atípicos: predomínio de sintomas extraintestinais.
2. Doença Silenciosa
- assintomáticos;
- teste sorológico positivo e exame histopatológico com alterações típicas de DC.
3. Doença Latente
- assintomáticos;
- teste sorológico positivo, mas sem alterações na biópsia.
Epidemiologia
No Brasil, de 1:681 até 1:273. Vale destacar que, para cada caso diagnosticado, há 3 a 7 casos não diagnosticados.
Grupos de risco: anemia ferropriva, osteoporose, baixa estatura, infertilidade, doenças autoimunes e história familiar positiva para doença celíaca.
Genética
Há uma predisposição, visto que a concordância é de 75% para gêmeos monozigóticos. O risco é atribuído ao antígeno leucocitário humano (HLA) classe III, HLADQ2 e HLADQ8, encontrados em 95% dos pacientes com doença celíaca.
Diagnóstico
Época mais importante: suspeita da doença.
É fundamental na prevenção de doenças malignas do TGI, manifestações neurológicas, infertilidade, abortos de repetição, baixa estatura, distúrbios ósseos e do metabolismo do cálcio.
· Testes sorológicos
- Exame sorológico (anti-endomísio IgA ou anti-transglutaminase IgA de cobaia e humana). Obs1: Pacientes com deficiência de IgA (risco de 1,7% a 2,6% de apresentar DC) apresenta, exames sorológicos falsos negativos. Então, deve-se dosar imunoglobulina IgA para descartar deficiência associada.
Obs2: Falso positivo: doença hepática crônica, insuficiência cardíaca avançada, doença inflamatória intestinal e doenças reumáticas.
· Biópsia Duodenal
É o teste padrão ouro no diagnóstico da doença celíaca. Os achados característicos são: atrofia das vilosidades, hiperplasia de criptas e aumento dos linfócitos intra-epiteliais (>40/100 enterócitos).
Critérios de Marsh
- Estágio 0: padrão pré-infiltrativo
- Estágio 1: padrão infiltrativo
- Estágio 2: padrão hiperplásico
- Estágio 3: padrão destrutivo
- Estágio 4: padrão hipoplásico
Tratamento da Doença Celíaca
Orientação quanto à dieta sem glúten (acompanhamento com nutricionista).
Doença Celíaca Refratária
Doença com característica compatível com doença celíaca que não responde à retirada do glúten por pelo menos 6 meses, permanecendo com sintomas graves e atrofia das vilosidades, considerando que todas as outras causas de atrofia de vilosidades tenham sido descartadas, incluindo o linfoma intestinal. A causa mais comum é o não seguimento estrito de forma consciente ou de maneira inadvertida de alimentos que contenham glúten.
Tratamento da Diarreia Crônica
Deve ser direcionado à causa, mas como a prevalência de diarreia infecciosa no nosso meio é grande, pode-se fazer uso empírico de antiparasitários antes de qualquer avaliação. Então, deve-se fazer o controle pela supressão do mecanismo subjancente:
- doença celíaca => retirada do glúten da dieta
- intolerância à lactose => supressão de leite e derivados e uso da lactase oral
- doenças inflamatórias intestinais => uso de aminossalicilatos, imunossupressores e antibióticos
- insuficiência pancreática => reposição de enzimas pancreáticas
Tratamento sintomático(antidiarreico) na diarreia crônica: controle dos sintomas no início da investigação quando houver insucesso na investigação etiológica ou após ter sido feito o diagnóstico, mas não houver tratamento específico ou houver falência deste. As medicações são: loperamida, difenoxilato com atropina, codeína, clonidina, octreotida e colestiramina.
Para todos os pacientes com diarreia crônica: reposição de eletrólitos e fluidos! (além de vitaminas lipossolúveis, se houver esteatorreia crônica).
Bibliografia: Gastroenterologia e Hepatologia - José Milton de Castro e Lima, Editora UFC, 2010.