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Populações negligenciadas
02/07/2013
Publicado por: Caio Mayrink

Populações Negligenciadas

Autor: Caio Mayrink

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Quando nos propomos a pensar acerca de populações negligenciadas, se faz necessário retornarmos à reflexão sobre os conceitos de vulnerabilidade e vulneração proposta em um momento anterior.

A palavra vulnerabilidade transmite um sentido de fragilidade, de acordo com sua raiz grega vulnus, que significa “ferida”.  Ampliando o conceito da palavra e sentindo necessidade de refletir sobre sua diversidade semântica, o bioeticista Fermin Roland Schramm passa a adotar vulnerabilidade e vulneração com sentidos diferentes. Vulnerabilidade é então característica inexorável daquilo que tem vida - seja humana, animal, protista ou vegetal. Partindo do preceito que todos podemos nos ferir, somos todos vulneráveis, somos vida. O termo vulneração é logo empregado para situações específicas em que os indivíduos encontram-se em situações sociais, políticas ou econômicas de marginalização. A distinção feita ente vulnerabilidade e vulneração fala com os conceitos de potência e ato de Aristóteles, de forma que o indivíduo vulnerável está em situação de fragilidade, porém não a dano. Aquele que é vulnerado encontra-se no dano (ato), na consubstanciação de sua vulnerabilidade.

Fechado o parêntese da digressão sobre o vulnus, seriam as populações negligenciadas indivíduos vulnerados? O conceito original de população negligenciada refere-se a um grupo de indivíduo com uma identidade comum em um estado de marginalização política, econômica, social ou que sofrem discriminação e/ou incompreensão da população em geral. Exemplos de negligenciados são indígenas, moradores de rua, profissionais do sexo, imigrantes, drogadictos, analfabetos, moradores de favelas e áreas de risco, a comunidade LGBT, presidiários, crianças de rua, vítimas de violência doméstica, etc. Segundo o artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), “Todos tem direito a um padrão de vida adequado à sua saúde e de sua família, incluindo comida, vestuário, moradia, cuidados médicos e serviços sociais necessários”, entretanto isso não é o que se observa na vida prática.

Ao conjunto de fatores que distanciam a perfeição teórica de programas de saúde coletiva da dura aplicação prática do conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial de Saúde, dá-se o nome de Determinantes Sociais de Saúde. Educação, desemprego, condições de trabalho, acesso a serviços de saúde, condições de habitação e saneamento, alimentação, idade e sexo são apenas alguns exemplos desses determinantes, que englobam desde situações socioeconômicas, culturais e ambientais gerais até fatores individuais e hereditários. Uma reflexão sensível em torno do impacto destes determinantes na saúde coletiva permite inferir a clara relação entre Direitos Humanos e Saúde. Uma vez violados, não se pode garantir o bem estar da tríade biopsicossocial.

Para ilustrar a problemática, aqui vão alguns dados. Você sabia da probabilidade 5 vezes maior de uma criança morrer antes de alcançar o primeiro ano de vida pelo fato de ter nascido no nordeste e não no sudeste brasileiro? Você sabia que a chance de uma criança morrer antes de chegar aos 5 anos de idade é 3 vezes maior pelo fato de sua mãe ter 4 anos de estudo e não 8 anos? Você sabia que, segundo a OMS, a cada ano morrem dez milhões de pessoas no mundo por causas tratáveis que poderiam ser prevenidas com o uso de medicamentos considerados essenciais? Sabia que o Brasil possui 30 milhões de analfabetos funcionais? Você sabia que, segundo a UNESCO, mulheres analfabetas têm cinco vezes menos chances de receber informações sobre prevenção do HIV?

Os dados machucam e são compreendidos à pena. É por questões como essas que se deve prezar pela equidade na busca da justiça social e combate à desigualdade. Colocamos aqui então nas mãos da ética-da-vida a problematização. Se somos tempo-vida e vemos a vida como uma grande possibilidade, detentora de toda a potência, o que os bioeticandos propõem ao mundo para combater o vulnus?

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Bibliografia:

Marília Sotero.Vulnerabilidade e vulneração: população de rua, uma questão ética.Rev. bioét (Impr.) 2011; 19(3): 799 – 817.

Ricardo Ney Oliveira Cobucci, Lucélia Maria Carla Paulo da Silva Duarte. Bioética, assistência médica e justiça social.  Rev. bioét (Impr.) 2013; 21 (1): 62-6.