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Esclerose Múltipla
07/05/2013
Publicado por: Paulo Marcelo Pontes Gomes de Matos

 

                As doenças da bainha de mielina possuem dois mecanismos básicos: formação inadequada ou destruição acelerada da mielina, sendo nesse último caso conhecidas como doenças desmielinizantes.

                A Esclerose Múltipla (EM) é o principal representante do grupo das doenças desmielinizantes, figurando em 95% dos casos. Ela se caracteriza por áreas multifocais de desmielinização do sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal) associada a infiltrados inflamatórios, gliose reativa e degeneração axonal, secundária á destruição da bainha de mielina. Ela não possui etiologia definida, porém suspeita-se que se deva a um processo autoimune.


EPIDEMIOLOGIA

                A EM é a segunda causa mais frequente de incapacidade neurológico em adultos jovens (o primeiro lugar é o trauma), com uma incidência anual aproximada de 9 por 100,000 indivíduos. Estudos mais recentes sugerem que essa incidência vem aumentando nos últimos anos, provavelmente devido à melhor capacidade de reconhecimento da doença atualmente.

                Como a maioria dos processos autoimunes, a EM é mais frequente em mulheres em uma proporção de 2:1. Normalmente ela se manifesta entre a terceira e a quarta décadas de vida, mas sua incidência varia da puberdade à quinta década. Ela também é mais frequente em indivíduos com ascendência norte-europeia. Não foram estabelecidos fatores de risco para essa patologia.

FISIOPATOLOGIA

                Os achados patológicos clássicos da EM são áreas multifocais de desmielinização associadas a cicatrizes glióticas no sistema nervoso central. Essas lesões, conhecidas como placas, encontram-se preferencialmente nos nervos óticos; substância branca periventricular, profunda e justacortical; corpo caloso; pedúnculos cerebelares e medula espinhal dorsolateral.

                Análises histopatológicas revelam a presença de grandes infiltrados de linfócitos CD8 citotóxicos. Especula-se que essas células atacam a bainha dos axônios através da liberação da granzima B. Também foram encontrados macrófagos e células microgliais que atuam como células apresentadoras de antígenos e liberam citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, potencializando a atividade citotóxica. Com o tempo, a reação inflamatória no centro das placas diminui, persistindo, porém, na periferia formando um halo inflamatório com ativação da micróglia. Esse processo é raramente encontrado em outras doenças desmielinizantes. Com a evolução da doença, o processo de remielinização torna-se mais difícil e infrequente e o surgimento de novos oligodendrócitos maduros (células produtoras da mielina no SNC) desaparece.


MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

                O quadro clínico clássico consiste no surgimento agudo/subagudo, em um paciente jovem (frequentemente uma mulher entre 30 e 40 anos de idade) de sintomas visuais e sensitivos, como redução da acuidade visual e parestesias, respectivamente. Fadiga, depressão, urgência urinária, fraqueza e déficits na coordenação e equilíbrio. Esse quadro inicial geralmente é leve e autolimitado, sendo insuficiente para motivar o paciente a buscar auxílio médico.

ALTERAÇÕES SENSORIAIS

                Os achados mais comuns ao exame neurológico são perda da sensibilidade vibratória, principalmente em pés, e parestesias. Esses achados podem ser assimétricos e a modalidade sensitiva acometida em cada região pode variar, pois pode ocorrer desmielinização em tratos sensitivos distintos.

ACOMETIMENTO VISUAL

                A neurite ótica é uma síndrome clássica à apresentação, tipicamente com sintomas em apenas um olho. Esses pacientes geralmente queixam-se de dor na região lateral da sobrancelha que piora ao lateralizar o olho. A acuidade visual encontra-se reduzida, sendo descrito pelo paciente como se ele estivesse olhando através de um vidro embaçado. Em muitos casos, especialmente aqueles de evolução mais aguda, a lesão é retrobulbar, de modo que nada é encontrado ao exame oftalmológico, dando origem ao aforisma “o paciente não enxerga nada e o médico não vê nada”. No entanto, pode-se achar nesses doentes um déficit na fotorreatividade pupilar conhecido como pupila de Marcus-Gunn. Ao iluminar o olho sadio, ambas as pupilas se contraem, porém ao jogar o feixe luminoso sobre o olho acometido não há contração muscular, pois o nervo ótico afetado é incapaz de transmitir o estímulo nervoso. Nistagmo também é um achado frequente, sendo exacerbado com o olhar vertical ou lateral extremo.

SINTOMAS MOTORES

                Os sintomas mais comuns são fraqueza e redução da coordenação em uma perna, de caráter ascendente e com posterior acometimento da outra perna ou do braço ipsilateral. Quando o quadro de EM se estabelece, surgem os sinais clássicos de acometimento do trato córticoespinhal evidenciados através de marcha espástica, câimbras e clônus. Ataxia, decorrente de lesões cerebelares ou do acometimento de vias sensitivas, também pode estar presente.

DISFUNÇÃO DE ÓRGÃOS ESPECÍFICOS

                Acometimentos da bexiga são muito frequentes e podem ser evidenciados de diversas formas como: incontinência, urgência, alterações na frequência e retenção urinária. No trato gastrointestinal, a manifestação mais comum é a constipação. Disfunções sexuais também são comuns, tanto em homens quanto mulheres.


TIPOS DE ESCLEROSE MÚLTIPLA

                Os três tipos clínicos principais são: Recidivante Remitente, Secundária Progressiva e Primária Progressiva.

                A EM recidivante remitente se caracteriza por surtos de déficits neurológicos, seguidos de remissão total ou parcial do quadro. Com o passar do tempo, a tendência a recuperação plena reduz drasticamente, deixando o paciente com diversas sequelas motoras e/ou sensitivas. A maioria desses pacientes, após 20 a 40 anos desde o início dos sintomas, evolui para a forma secundária progressiva, cessando os surtos. Esse estágio é caracterizado por piora progressiva durante 6 meses na ausência de remissões.

                A forma primária progressiva é vista em 10% dos pacientes e se caracteriza por deterioração progressiva do quadro neurológico, sem evidências de remissões em pelo menos 1 ano desde o início dos sintomas.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

                O diagnóstico da EM baseia-se no achado de pelo menos duas lesões inflamatórias, de caráter desmielinizante, em diferentes regiões do SNC, que surgiram com pelo menos um mês de diferença e para as quais se desconhece outra possível etiologia.

                O tratamento consiste no uso de drogas que visam o alívio dos sintomas, a modificação do curso da doença e por fim em terapias não-medicamentosas.



FONTE:

Cecil Medicine, 24 edition, 2012.