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Enterite Actínica
07/05/2013
Publicado por: Caio Mayrink

Autor: Thyago Araújo

 

Considerações gerais

O emprego da radioterapia (RT), em adjuvância ou neoadjuvância, tem-se tornado cada vez mais freqüente ao longo do tratamento de tipos diversos de neoplasias, como as sitiadas em trato genital feminino, próstata, bexiga e reto. Muito embora esse recurso tenha modificado sobremaneira o prognóstico, a sobrevida e a qualidade de vida de muitos pacientes oncológicos; apresenta, como desvatagem inerente ao método, lesão a grupos teciduais sadios contíguos às massas tumorais. Estas, por vezes, apresentam-se tão severas, a limitar a dose total de radiação oferecida.

As complicações intestinais não raramente se fazem presentes na evolução clínica de trans/pós-irradiação no tratamento dos tipos de neoplasias já citados (0,5-11%), podem-se apresentar como fístulas, abcessos, desnutrição, obstrução e hemorragias. Além do compartimento intestinal, gônadas, tecido linfático e medula óssea sobressaem-se dentre os órgãos mais vulneráreis à radioterapia.

 

Fisiopatologia

O dano ocorre na medida em que as moléculas de água teciduais, ao receberem as doses repetidas de radiação, sofrem ionização e então promovem dano ao DNA (principalmente), ao RNA e às membranas intracelulares, gerando inflamação e comprometimento funcional.

 

Classificação e Manifestações clínicas

No que diz respeito ao intestino, sabe-se que a lesão orgânica decorrente da RT atinge camadas teciduais a depender do momento do tratamento. Durante as sessões, a mucosa revela-se mais sensível (EA aguda); meses-anos após a irradiação, o órgão como um todo pode ser atingido (EA crônica). Cada uma dessas fases de lesão cursam com achados histopatológicos e manifestações clínicas distintas, requerendo abordagens terapêuticas específicas.

 

FASE AGUDA DE LESÃO (EA aguda) - período trans-irradiação

Ocorre em praticamente todos os pacientes submetidos aos protocolos de radioterapia. Na mucosa intestinal contíngua à área irradiada, surgem ulcerações (reversíveis), havendo conseqüente perda de líquido e proteínas, pequenas hemorragias e infecções secundárias. Em 75% dos casos, o quadro regride mediante simples suspensão da RT, após um período de 6 a 8 semanas. Clinicamente, manifestam-se com náuseas,vômitos, diarréia, adinamia, dor abdominal (cólicas) e adinamia.

 

FASE CRÔNICA DE LESÃO (EA crônica) - período pós-irradiação (meses a anos)

O efeito deletério predominante se dá a nível de parede arteriolar intestinal. Há o que se chama de endoarterite obliterante e conseqüente isquemia regional. Disso decorrem ulcerações, necrose segmentares, abcessos, fístulas, perfurações, fibrose e obstrução (bastante freqüente). O período de latência, entre a exposição à radiação até a expressão clínica, varia significativamente – 3 meses a 15 anos, com média de 2 anos. A estenose, seqüela da fibrose, apresenta-se com distensão abdominal, cólicas, hiporexia, hipoalbuminemia. Quando atinge o reto, ocorre puxo, tenesmo, urgência, retrorragia, anemia, hipoalbuminemia e desbutrição. Vale ressaltar que, embora segmentar, a necrose não obrigatoriamente se dá em apenas um trecho intestinal, justificando o rastreamento de lesões sincrônicas ou metacrônicas em íleo mesmo após o achado de acometimento retal.

 

Diagnóstico

O diagnóstico da enterite actínica depende basicamente da história exposicional associada a uma clínica compatível com a fase aguda ou crônica de lesão. Métodos complementares podem ser utilizados:


Como diferenciais à enterite actínica, devem ser lembradas como possibilidades diagnósticas de doenças inflamatórias intestinais (D. de Chron), isquemia mesentérica.

 

Estratégia terapêutica

O tratamento, conforme já mencionado, depende da fase de lesão secundária à radiação, a saber:

- fase aguda: suporte clínico, com emprego de sintomáticos. Fármacos constipantes (cloridrato de loperamida por exemplo), quando descartada a presença de infecção bacteriana superposta, constituem o arsenal terapêutico no caso. Quando o componente de hemorragia digestiva se revela importante, o suporte hemoterápico pode ser oferecido, seja com a suplementação de sulfato ferroso, seja com hemotransfusões.

- fase crônica: no tratamento da obstrução intestinal, devem ser prescritos dieta laxativas (ricas em fibras e líquidos), antibioticoterapia oral (visando à redução da proliferação bacteriana pela estase do conteúdo intestinal) e, em casos selecionados, abordagem cirúrgica (5% dos casos), pela técnica de exclusão (segmento intestinal preservado) ou de ressecção (segmento intestinal removido). Na ocorrência de retrorragia, a colostomia constitui uma opção terapêutica, embora não seja o procedimento de escolha. Faz-se habitualmente ressecção local com conservação de esfíncteres, tendo em vista que a incontinência fecal coloca-se como complicação.

 

Prevenção e prognóstico

Atualmente a prevenção da enterite actínica impõe-se cada vez mais significativa na prática médica durante o acompanhamento de pacientes portadores de neoplasias pélvicas submetidos a protocolos radioterápicos. Nesse sentido, devem-se observar atentamente fatores predisponentes ao seu desenvolvimento – emprego de doses elevadas de radiação, técnicas de radiação inadequadas, cirurgias prévias de abdome e pelve, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, combinação de quimioterapia e radioterapia. Além disso, o uso de telas de ácido poliglicólico, poliglactina – materiais que absorvem radiação – também é indicado.

No que diz respeito ao prognóstico, de um modo geral, sabe-se que as lesões de delgado e grosso cursam com mais morbimortalidade que as de reto e sigmóide. A mortalidade geral encontra-se em 10-25%, enquanto a pós operatória pode chegar até a 50%, sobretudo decorrente de deiscência de sutura da ferida operatória, quando essa é realizada na abordagem das lesões de fase crônica.

 

Fonte:

Diagnosis and management of chronic radiation enteritis - UpToDate Junho/2012

Gastrointestinal toxicity of radiation therapy - UpToDate Junho/2012

Fundamentos da Cirurgia Digestiva - Edições UFC