Daniel Machado
O tratamento da hérnia inguinal (HI) é um dos procedimentos cirúrgicos mais frequentes no grupo etário pediátrico. Praticamente toda HI em crianças é do tipo indireto e de origem congênita. A persistência variável do conduto peritôneo-vaginal fornece um espectro de anormalidades, incluindo hérnia inguinoescrotal, hidrocele comunicante, cisto de cordão ou hidrocele não comunicante.
A incidência da HI varia entre 0,8% e 4,4%, traduzindo-se em aproximadamente 10 a 20 por 1000 nascidos vivos. Em recém-nascidos pré-termo, a incidência pode se elevar a 30%. Aproximadamente 1/3 das crianças com HI tem menos de 6 meses de vida, e os meninos são afetados cerca de 6 vezes mais que as meninas. O lado direito é acometido em 60%; o esquerdo, em 30%; e em 10% são observadas hérnias bilaterais.
A maioria das HIs apresenta-se como um abaulamento na região do anel externo, estendendo-se para baixo por distâncias variáveis até a bolsa testicular ou grandes lábios. Muitas vezes, a hérnia é detectada pelo pediatra durante um exame físico de rotina ou observada pelos pais. Pode haver, também, dor na região inguinal. As consequências mais temidas da HI são o encarceramento e o possível estrangulamento mais frequentes em prematuros. Em razão do risco dessas complicações, toda HI em crianças deve ser operada.
O tratamento, como já explicitado acima, é cirúrgico, sendo o momento da cirurgia variável dependendo das condições do paciente. O momento oportuno para a cirurgia de HI de um prematuro é controverso. O reparo precoce relaciona-se com risco elevado de lesões das estruturas do cordão, bem como maior incidência de recidivas e de apneia associada procedimento anestésico. Esses fatores devem ser ponderados contra maiores riscos de encarceramento e de estrangulamento, potencial risco de perder o acompanhamento do paciente e desenvolvimento de HI de grandes proporções habitada. Levando em consideração esses fatores, a maior parte dos cirurgiões pediátricos realiza a herniorrafia antes que o recém-nascido tenha alta do berçário. Caso o neonato já tenha recebido alta, a maior parte dos cirurgiões preferem realizar o procedimento após as 50 semanas pós-concepcionais, uma vez que o risco de apneia é menor. O momento para o reparo da HI encarcerada é outro ponto importante, e é dependente do sexo do paciente e do conteúdo no interior do saco herniário. Nas meninas, a estrutura não redutível mais comumente presente dentro de uma HI é o ovário. O ovário dentro do saco apresenta significativo risco de torção e estrangulamento. Embora isso não represente verdadeira emergência cirúrgica, o tratamento da HI deve ser realizado em um período curto de tempo (dentro de alguns dias). Nos pacientes com HI encarcerada contendo intestino, deve-se reduzir a hérnia, exceto se existir evidência clínica de peritonite. Esse procedimento pode necessitar de sedação intravenosa e cuidadosa monitorização. Se a redução for bem sucedida, a criança é hospitalizada e mantida em observação durante 24 a 48 horas. O reparo da HI só deverá ser executado após o período de observação, para que haja regressão do edema tecidual. Por outro lado, se a HI não puder ser reduzida, a criança deve ser levada rapidamente à sala de cirurgia, para exploração inguinal. Sendo necessária a ressecção intestinal, esta pode ser feita através do saco herniário aberto, na maioria das vezes antes do reparo da HI. Quando a criança tem HI unilateral, existem controvérsias quanto à exploração da região inguinal contralateral. A principal vantagem da exploração contralateral é evidenciar e tratar a presença de um processo peritoniovaginal patente. Embora um processo patente não seja o mesmo que uma HI, uma HI não ocorre sem um processo patente. Uma vez que existe maior incidência de processo vaginal patente durante o primeiro ano de vida, muitos cirurgiões restringem a exploração contralateral a essa faixa etária. A avaliação laparoscópica da virilha contralateral através do saco aberto durante o reparo pode ser um método seguro e preciso para identificar a presença de um processo vaginal patente. Os detalhes técnicos do reparo da HI consistem, de maneira simplista, na ligadura alta do saco herniário, no nível do anel interno. O reforço da parede posterior do canal inguinal geralmente não é necessário. Na maioria dos casos, esse procedimento é ambulatorial, com mínimo possível de morbidade. As complicações da cirurgia da HI são recidiva, lesão do canal deferente, infecção da ferida cirúrgica e a hidrocle pós-operatória, porém, ocorrem com frequência inferior a 1%.
Fonte: SABISTON JR., D. C., TOWNSEND, M. C. Tratado de Cirurgia. 17.ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,. 2010