Fernando Klein Leitão
A síndrome nefrótica deve ser entendida como sendo o conjunto de sinais, sintomas e achados laboratoriais que se desenvolvem quando, por alguma razão, ocorre aumento patologicamente exagerado da permeabilidade dos glomérulos às proteínas, levando à proteinúria maciça (superior a 3-3,5g/24h no adulto e a 50mg/Kg/24h na criança). Não existe invasão glomerular por células inflamatórias (glomerulite), como na síndrome nefrítica, mas sim uma importante alteração na permeabilidade dos glomérulos que passam a não ser mais capazes de reter as macromoléculas, especialmente as proteínas. Ao contrário da síndrome nefrítica, que geralmente se inicia de modo abrupto, a síndrome nefrótica em muitos casos é bastante insidiosa. A proteinúria maciça é o estigma da síndrome, e resulta nos demais achados clínico-laboratoriais que a definem: hipoalbuminemia, edema, hiperlipidemia e lipidúria. Hematúria microscópica, dismórfica e cilindros hemáticos podem ser detectados em algumas glomerulopatias nefróticas, embora não façam parte da síndrome. A função renal normalmente está preservada e geralmente não há oligúria.
A proteinúria da síndrome nefrótica pode ser do tipo seletiva ou não seletiva, na dependência da doença de base. Quando o processo lesivo renal acarreta em perda predominantemente da “barreira de carga” da parece dos glomérulos (como no caso da nefropatia por lesão mínima), ocorre o que se entende por proteinúria seletiva, ou seja, uma proteinúria basicamente à custa de albumina (pois, apesar da albumina ter peso molecular de 65000 dáltons, maior que o peso máximo de passagem pela “barreira de tamanho”, que é de 20000 dáltons, o maior obstáculo à passagem dessa proteína é a “barreira de carga”, já que a molécula é um poliânion). Essa condição não costuma cursar com alterações importantes da estrutura física glomerular. Já quando a lesão glomerular determina perda da “barreira de tamanho”, ocorre então a proteinúria não seletiva (como a da GEFS ou GP Membranosa), com perda proporcional de todas as macromoléculas protéicas do plasma (albumina, globulinas). Nesse caso, há sinais de que ocorreram alterações estruturais dos glomérulos: os podócitos estão lesados, o que determina um desarranjo arquitetônico das fendas de filtração, permitindo o escape de proteínas. A eletroforese de proteínas urinárias é capaz de identificar quais os tipos de proteína que constituem a proteinúria do paciente, classificando-a em seletiva ou não seletiva.
- A hipoalbuminemia A perda de proteínas plasmáticas em grande quantidade na urina geralmente provoca a queda de seus níveis plasmáticos. A albumina é a principal proteína do plasma, sendo a grande responsável pela pressão oncótica (ou coloidosmótica), que ajuda a manter o líquido no compartimento intravascular. Apesar da queda da albumina estimular a produção hepática dessa proteína, isso não é suficiente para evitar que se desenvolva uma hipoalbuminemia acentuada, característica marcante da síndrome nefrótica. O aumento da ingesta de proteínas releva pouco ou nenhum reflexo no aumento da albumina sérica, enquanto que aumenta os níveis de proteinúria, enquanto que a diminuição da ingesta protéica está associada a uma redução nos níveis de proteinúria, sem interferir com os níveis de albumina sérica.
- Outras proteínas plasmáticas A perda de proteínas nos pacientes com síndrome nefrótica não se limita à albumina. São exemplos também importantes: Antitrombina III (resultando em hipercoagulabilidade, que pode levar a um evento trombótico), Globulina de ligação a Tiroxina (pode alterar exames de função da tireóide), Transferrina (anemia hipocrômica e microcítica, resistente à reposição de Ferro), Imunoglobulinas (levando a uma maior susceptibilidade às infecções).
O edema se formará sempre que houver aumento importante da pressão hidrostática em relação à pressão oncótica (que é determinada pela concentração de macromoléculas – proteínas – na luz do vaso).
A teoria clássica para formação do edema na síndrome nefrótica é a do Underfilling. Com essa teoria, a queda da pressão oncótica (pela hipoalbuminemia causada pela proteinúria) faz o líquido sair do intravascular para o interstício, determinando uma tendência à hipovolemia e ativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona. O resultado final é uma retenção hidrossalina secundária, na tentativa de compensar a hipovolemia. No entanto, estudos demonstram que uma queda gradual da pressão oncótica plasmática é geralmente acompanhada pela queda na pressão oncótica intersticial, mantendo o gradiente oncótico. Não haveria, pois, formação de edema por esse mecanismo a não ser que houvesse redução aguda ou acentuada da albuminemia. Existe outro mecanismo de edema para a síndrome nefrótica: a retenção hidrossalina primária (teoria do Overfilling). Pelo menos em alguns casos (como em crianças com nefropatia por lesão mínima e hipoalbuminemia grave), o edema é, em grande parte, formado por este mecanismo, no qual a tendência é para a hipervolemia e aumento da pressão hidrostática capilar. A verdade é que o mecanismo do edema nefrótico varia de acordo com a patologia glomerular de base e pode variar de paciente para paciente para a mesma glomeruloparia.
Na maioria das vezes os pacientes com síndrome nefrótica desenvolvem hipercolesterolemia, com aumento do LDL. O mecanismo da hipercolesterolemia é o aumento da síntese hepática de lipoproteínas, estimulada pela queda da pressão oncótica induzida pela hipoalbuminemia. A hipertrigliceridemia, encontrada em menor escala, predominando em pacientes com falência renal crônica, é causada muito mais pela redução do catabolismo do VLDL. É fácil perceber que a hiperlipidemia nefrótica resulta no aumento da filtração glomerular de lipídios, provocando lipidúria.
Fonte: Medcurso e anotação de caderno.