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Síndrome de Wolfram em irmãos
03/12/2015
Publicado por: Thais Luedy

Síndrome de Wolfram: relato de caso em irmãos e revisão de literatura

Thaís Abreu Luedy

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Resumo

A síndrome de Wolfram (SW) é uma doença de herança autossômica recessiva, progressiva, definida como uma condição neurodegenerativa envolvendo o sistema nerv­­oso central, nervos periféricos e tecidos neuroendócrinos, que se caracteriza pela associação de Diabetes Mellitus (DM) tipo 1 de início precoce e atrofia óptica1. Ainda, bexiga neurogênica, ataxia, nistagmo e predisposição a doenças psiquiátricas podem também ser componentes da síndrome, embora com menor freqüência. Essa ocorre devido a mutações do gene WSF1, que codifica a proteína Wolframina. O objetivo deste relato é apresentar dois irmãos com semelhantes e diferentes manifestações da doença. A síndrome de Wolfram deve ser lembrada em casos de atrofia óptica associados à diabetes, poliúria, polidipsia ou a qualquer uma das alterações apresentadas.

Introdução

A síndrome descrita em 1938 por Wolfram, batizada posteriormente com seu nome, contava com a presença da associação de diabetes mellitus e atrofia óptica em uma mesma família2. Esses critérios dão um valor preditivo positivo de 83% e valor preditivo negativo de 1% para a SW33. Em geral, o diabetes mellitus (DM) desenvolve-se na primeira década de vida e a atrofia óptica na segunda década3. Outros achados frequentes, porém não obrigatórios, são o diabetes insipidus e surdez explicando o acrônimo DIDMOAD (de diabetes insipidus, diabetes mellitus, optic atrophy e deafness) pelo qual a síndrome é também conhecida. Ademais, alterações oculares e sistêmicas podem encontrar-se associadas, como catarata, retinopatia diabética, glaucoma, alterações do trato urinário (58%), dismotilidade gastrintestinal (24%)4, distúrbios neurológicos (62%), psiquiátricos e atrofia gonadal(3-11). É uma doença rara, progressiva e de herança autossômica recessiva, cuja prevalência estimada é de 1:100.000 em crianças e 1:770.000 em adultos3. A mortalidade é de 65% antes dos 30 anos por insuficiência respiratória e renal. Pouco mais de trezentos casos foram descritos na literatura mundial, sendo a maioria com a síndrome incompleta. O objetivo deste estudo foi relatar o caso de dois irmãos portadores de SW.

Resultados

Caso 1: DSB, masculino, 33 anos, iniciou há 21 anos uso de insulina NPH e regular para DM 1, com baixa acuidade visual progressiva há 9 anos e retardo no crescimento. Foi internado duas vezes em Unidade de Terapia Intensiva aos 26 anos, devido a complicações do DM I. Exames de imagens evidenciaram lesão renal de causa neurogênica e doença crônica paremquimatosa compatível com a nefropatia diabética. Na retina, a angiografia fluoresceínica apresentou atrofia do nervo óptico e retinopatia proliferativa diabética em ambos os olhos.Foi realizada fototerapia com laser em ambos os olhos associado a aplicações de injeções intraoculares de anti-VEGF, cujo tratamento foi concluído há cerca de um ano. Não foram constatados sintomas neurológicos e psiquiátricos como ataxia e agressividade. Foi encaminhado posteriormente para avaliação com fonoaudiólogo que detectou diminuição da acuidade auditiva com comprometimento neuronal, sendo-lhe prescrito aparelho auditivo para melhora da acuidade. O paciente realizou também exames de imagem como urotomografia e urografia, evidenciando bexiga de esforço e hidronefrose bilateral leve devido a queixas de oligúria e piora do controle pressórico associado ao aumento dos níveis nitrogenados. Tais achados melhoraram após controle medicamentoso e orientações urológicas, como cateterismo intermitente.

Caso 2: DSB, masculino, 23 anos, também acometido por DM tipo 1, desde os 3 anos, faz uso de insulinoterapia. Relata que, há 7 anos, apresentou baixa na acuidade auditiva, episódios de visão turva e de lipotímia.Em 2009, queixou-se de dor epigástrica, disúria, oligúria e dor em baixo ventre. Há 3 anos, refere dor abdominal em hipogástrio, piora da acuidade visual e polidipsia. Referia também dor neuropática em braço esquerdo, além de sensação de queimação em flanco esquerdo durante os episódios de hipoglicemia. Testes revelaram nível baixo de 25-Hidroxivitamina D e aumento da hemoglobina glicada. O USG apontou bexiga neurogênica pelo grande volume residual pós-miccional. A densitometria óssea indicou osteopenia, tendo o carbonato de cálcio e a vitamina D3 nas quais fazia uso, sido mantidas.

Conclusão

A presença de DM, atrofia do nervo óptico e déficit auditivo nos casos dos irmãos foram compatíveis com a Síndrome de Wolfram, uma entidade rara com frequência de 1 em 100 a 354 indivíduos5. O diagnóstico diferencial inclui síndrome da rubéola congênita, atrofia óptica hereditária de Leber e anemia tiamino-responsiva com DM e surdez. É notável perda da função auditiva neurossensorial, sintomas psiquiátricos, além de retinopatia diabética, alterações do trato urinário, dismotilidade gastrintestinal, distúrbios neurológicos e atrofia gonadal. Embora seja atualmente uma doença com prognóstico reservado, os avanços contínuos na compreensão de seus mecanismos poderão resultar no surgimento de tratamentos específicos. Assim, a SW requer cuidados e entendimento pelos profissionais de saúde e familiares, a fim de reduzir o impacto na morbidade e mortalidade dos pacientes.

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Referências

1 - Inukai K, Awata T, Inoue K, Kuihara S, Nakashima Y, Watanabe M, et al. Identification of a novel WFS1 mutation (AFF344-345ins) in Japanese patients with Wolfram syndrome. Diabetes Res Clin Pract 2005;69:136-41. 

2 - Wolfram DJ, Wagner HP. Diabetes mellitus and simple optic atrophy among siblings: report of four cases. Mayo Clinic Proc 1938;13:715-8.

3 - Barrett TG, Bundey SE, Macleod AF. Neurodegeneration and diabetes: UK nationwide study of Wolfram (DIDMOAD) syndrome. Lancet 1995;346:1458-63.

4 - Reis AF, Ferreira JG, Coifman R, Russo EMK, Moisés RCS, Dib SA. Síndrome de Wolfram: relato de um caso, revisão da literatura e caracterização do diabetes mellitus associado. Arq Bras Endocrinol Metab. 1996;40(2):106-12.

5 - Fraser F, Gunn T. Diabetes mellitus, diabetes insipidus and optic atrophy: An autosomal recessive syndrome? J Med Genet 1977;14:190-3.